Desigualdades raciais e de gênero em Tangará da Serra apontam como o feminismo negro pode orientar políticas públicas mais eficazes no município.
No dia 20 de novembro — Dia da Consciência Negra —, Tangará da Serra (município com aproximadamente 106.434 habitantes) tem uma oportunidade simbólica e prática para refletir sobre as profundas desigualdades raciais que marcam a vida local, e para traduzir essa reflexão em políticas públicas concretas. As estatísticas nacionais fornecem demonstrativos sobre as desigualdades estruturais que provavelmente reverberam em nível municipal — mas, para que isso se converta em transformação, é necessário adotar um olhar interseccional, especialmente a partir da perspectiva do feminismo negro (preto).
Panorama das desigualdades raciais no Brasil e a importância dos dados
É bem documentado que no Brasil há uma disparidade racial persistente: pessoas pretas e pardas recebem, em média, bem menos que brancas; enfrentam desemprego mais elevado; e são as maiores vítimas de homicídio. Dados do IBGE mostram que, em 2022, as pessoas brancas tinham rendimento 64,2% superior aos pretos e pardos (com base nacional). Além disso, estimativas retratam que pessoas negras têm risco muito maior de serem vítimas de homicídio. Esses recortes — renda, emprego, violência — são cruciais para orientar políticas, sobretudo na esfera local.
Para um município como Tangará da Serra, utilizar os microdados do Censo 2022, bem como tabelas do IBGE, pode permitir: identificar quantos moradores se declaram pretos/pardos, sua distribuição socioeconômica (escolaridade, renda, emprego), e cruzar esses dados com indicadores de violência e acesso a serviços públicos. Um fator relevante é que segundo o Ministério Público de Mato Grosso, com base em análise de dados demográficos do IBGE, 11,9% da população de Tangará da Serra se autodeclara preta ou indígena, e quando somada a população parda, “o contingente de negros (pretos + pardos)” ultrapassa 61,7% da população do município.
A interseção entre raça e gênero: por que o feminismo negro é essencial
Diante de alguns fatos, não se trata somente de analisar a desigualdade racial ou apenas a desigualdade de gênero — para muitas mulheres em Tangará da Serra (e no Brasil), essas desigualdades se sobrepõem e se reafirmam mutuamente. A teoria e a prática do feminismo negro ajudam a iluminar essa interseção. Ressalta-se alguns fatores, como o fato de o feminismo negro no Brasil ser analisado como opressões de classe, raça e gênero que se relacionam para marginalizar mulheres negras. Diante disso, a interseccionalidade — conceito fundamental para o feminismo — apresenta que experiências de mulheres negras (pretas) não podem ser entendidas isoladamente como apenas “raciais” ou apenas “de gênero”, mas como reflexo da relação das duas opressões.
No contexto histórico, mulheres negras no Brasil recebem menos, são sub-representadas nos âmbitos de poder e passam por violências tanto racistas, quanto sexistas. Na extremidade dessa violência, o feminicídio atinge mulheres negras de forma desigual: estudos demonstram que o racismo estrutural se encontra presente na violência, de forma letal contra mulheres negras. Compreende-se que organizações como o Instituto Geledés possui uma atuação, extremamente, importante no enfrentamento simultâneo do racismo e do machismo, proporcionando políticas públicas e ações comunitárias para mulheres negras. É importante ressaltar que em movimentos ativistas, representantes como Alzira Rufino, fundadora da Casa de Cultura da Mulher Negra, trazem inspirações a luta local por memória, cultura e empoderamento.
Memória local e experiências de mulheres negras em Tangará da Serra
Na literatura nacional, em Tangará da Serra não existem dados públicos específicos disponíveis sobre a situação racial e de gênero. Contudo, é possível trazer algumas inferências baseadas nas tendências nacionais e pensar nas implicações práticas. Nas esferas de composição racial e representação é provável que Tangará da Serra possua uma parcela significativa da população preta e parda, refletindo a demografia brasileira. No entanto, sem uma análise mais profunda acerca de questões raciais nas políticas locais, mulheres negras podem permanecer invisibilizadas em programas sociais, de saúde ou educação.
Nessa mesma perspectiva, na economia e no mercado de trabalho, frequentemente, mulheres negras, em nível nacional, são um dos grupos mais penalizados no mercado de trabalho, recebendo salários inferiores ou possuindo empregos mais precários. Em Tangará da Serra, esse padrão pode se reproduzir em menos oportunidades formais de trabalho, menor remuneração, menor mobilidade social para mulheres negras.
Um outro fator a ser mencionado é a violência de gênero, assim como a racial — no Brasil, há um aumento nos homicídios de mulheres negras — e a violência é uma expressão concreta da interseção entre racismo e machismo. Para Tangará da Serra, isso implica na necessidade de políticas de segurança pública, de proteção às mulheres (abrigos, serviços de denúncia) e de prevenção, voltadas especialmente para mulheres negras.
Ao tratar da representação política e social, a presença de mulheres negras em espaços de poder em nível nacional ainda é mínima. No município, seria fundamental incentivar a participação dessas mulheres em conselhos municipais, cargos públicos e iniciativas comunitárias. Por outro viés, a cultura, memória e mobilização de celebrar o Dia da Consciência Negra deve ser também um momento para dar voz às mulheres negras locais: coletar relatos, memórias, histórias de liderança e resistência. Promover oficinas, rodas de diálogo, exposições e projetos culturais que conectem a tradição afro-brasileira ao feminismo negro.
Mulheres negras, ensino e liderança comunitária — a ponte entre dados e ação
O artigo do Candido News “Mulheres fortes, negócios fortes” destaca o impacto da liderança feminina na economia e no desenvolvimento local. Na entrevista realizada com a representante Lídia Soares, da Comunidade do Vila Esmeralda, em Tangará da Serra, sobre o Evento Dia D, a força de liderança aparece personificada na figura dessa entrevistada, que — diante da Escola E. Cívico e Militar Pedro Alberto Tayano e aos resultados de aprendizagem (IDEB) — reafirma a relação direta entre: ensino, autonomia econômica, organização comunitária, e enfrentamento do racismo estrutural.
De acordo com a Lídia, mulheres negras são, em Tangará da Serra, as que sustentam casas e redes de cuidado, lideram associações e projetos sociais, mantêm viva a memória de comunidades periféricas, reivindicam melhorias para escolas, empreendem, apesar da falta de crédito e organizam ações voluntárias e culturais. A presença representação feminina nos territórios é essencial para transformar política pública em realidade, na qual, há liderança feminina negra, há transformação — mesmo quando o sistema governamental não fornece o amparo necessário.
Ação pública local: políticas com viés feminista negro para Tangará da Serra
Com base nos dados nacionais, nas dimensões interseccionais e no movimento feminista negro, algumas propostas concretas que poderiam ser implementadas na sociedade civil de Tangará da Serra seriam: mapeamento racial-gênero ao utiliza os microdados do IBGE para produzir mapas municipais (bairros, regiões) da distribuição de mulheres negras, por faixa de renda, escolaridade, emprego e vítimas de violência. Isso informaria onde direcionar políticas.
Em seguida, programas de capacitação e empreendedorismo para incentivar especialmente mulheres negras por meio de cursos, microcrédito, incubadoras sociais e de negócios (como as cooperativas de economia solidária), inspiradas no que o movimento feminista negro tem feito nacionalmente. Assim como, ações de segurança e proteção para garantir que as delegacias da mulher, ou serviços de apoio às mulheres vítimas de violência, considerem a perspectiva racial. E fornecer treinamento para servidores públicos sobre interseccionalidade, racismo estrutural e feminicídio.
Em relação ao ensino e cultura é possível incorporar nas escolas locais conteúdos sobre história afro-brasileira, e feminismo negro com maior efetivação, apesar de já existir. E também promover atividades culturais para valorizar mulheres negras da comunidade, sua ancestralidade e sua resistência. Outro a acrescentar sendo o principal, a participação política com o intuito de produzir ou estabelecer conselhos municipais voltados para mulheres negras, garantindo sua participação nas decisões sobre orçamento, políticas de gênero e raça. Em suma, parcerias com organizações ao articular com instituições como Geledés ou outras redes de mulheres negras para trazer projetos, formação e visibilidade para Tangará da Serra.
O Dia da Consciência Negra em Tangará da Serra não deve ser somente uma data simbólica: é uma oportunidade para conectar memória, estatística e ação. Ao adotar uma abordagem feminista negra, a cidade pode passar não apenas pela desigualdade racial, mas a interseção de raça e gênero que pesa especialmente sobre as mulheres negras. Reconhecer essa realidade é o primeiro passo; traduzir o conhecimento em políticas públicas transformadoras é o desafio real — e relevante.
Por Beatriz Tavares


